
Por Vitor Canivello
Há pouco, transitei do BPO para a consultoria tributária motivado pela percepção de que a Reforma Tributária brasileira, ainda em fase de implementação, alterará profundamente a forma como a contabilidade é demandada. Essa mudança foi estratégica, mas também refletiu a convicção de que, em um cenário de grandes transformações regulatórias, o trabalho consultivo tende a ganhar protagonismo, enquanto atividades estritamente operacionais perdem espaço.
O atual sistema tributário brasileiro, marcado pela complexidade, já impulsiona a busca por especialistas. Pesquisas recentes confirmam que a maioria dos contadores prevê um aumento expressivo na procura por seus serviços durante o período de adaptação às novas regras. Levantamento realizado pela IOB em parceria com a Folha de S. Paulo revela que 82% dos profissionais acreditam no crescimento da demanda, embora 58% admitam não se sentirem preparados para o desafio (IOB/Folha de S. Paulo, 2025). Outro estudo mostra que quase 60% compartilham dessa expectativa (Condor Contábil, 2025).
Esse aquecimento, entretanto, não se limitará à consultoria tributária. Um dos efeitos esperados é a reavaliação do regime de tributação pelas empresas. Muitas optantes do Simples Nacional deverão concluir que, diante das novas dinâmicas, será financeiramente mais vantajoso migrar para o Lucro Presumido ou até mesmo para o Lucro Real, ainda que seja por conta do crédito gerador para o comprador da operação. Esse movimento abrirá espaço para maior atuação contábil, seja em planejamento, seja na execução fiscal, demonstrando que as oportunidades de trabalho não se concentram em uma única direção, mas se desdobram em várias frentes.
Experiências internacionais reforçam essa leitura. Países que introduziram a simplificação tributária, como Canadá, Austrália e membros da União Europeia, observaram um aumento expressivo na demanda por serviços tributários nos primeiros anos. Contudo, à medida que a legislação se estabilizou e a tecnologia passou a apoiar os processos de apuração, os times de tributos indiretos foram gradualmente reduzidos. Estudos europeus mostram que, após a consolidação do IVA, departamentos de compliance fiscal de grandes empresas encolheram cerca de 30%, com profissionais realocados para funções analíticas e de planejamento. Na Austrália, após a adoção do GST em 2000, verificou-se redução próxima de 25% nas equipes responsáveis pela apuração.
Destarte, é razoável projetar que, no Brasil, quando o novo modelo estiver consolidado a partir de 2033, ocorra movimento semelhante de enxugamento. A essa tendência soma-se o avanço da inteligência artificial. Pesquisas acadêmicas recentes apontam que a IA já desempenha papel central na automação de tarefas repetitivas, como reconciliações, verificações fiscais, classificações e elaboração de relatórios periódicos. Conforme destaca o artigo The Role of Artificial Intelligence in Optimizing Accounting Processes (JICRCR, 2024), a automação baseada em IA não apenas aumenta a eficiência e reduz custos, como também redefine o perfil profissional exigido no setor. Esse fenômeno, combinado à Reforma Tributária, reforça a perspectiva de que estruturas operacionais extensas tendem a perder relevância, enquanto funções consultivas e estratégicas ganham espaço.
Assim, mais do que indagar se haverá redução de postos de trabalho para contadores, a reflexão necessária é como cada profissional vai se posicionar diante desse novo cenário. O curto prazo, sem dúvida, trará inúmeras oportunidades, mas o médio e o longo prazo exigirão reinvenção. A migração de tarefas operacionais para funções de maior valor agregado, como consultoria, planejamento tributário e análise de dados, não é apenas uma possibilidade, mas uma tendência irreversível. Minha própria mudança de trajetória foi uma resposta a esse diagnóstico, e acredito que essa mesma reflexão deve orientar o planejamento de carreira de todos que atuam na área.
Vitor Canivello é administrador e contador, especialista em Gestão de Pessoas e Direito Tributário. Atualmente, é Tax Manager na EY.
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