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Reforma tributária e contratos: impactos práticos e caminhos para a adaptação empresarial

Assinando contrato. Reprodução: Freepik

Por Luiz Roberto Peroba

A reforma tributária aprovada no Brasil, que culminou na instituição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), representa uma das maiores transformações do sistema tributário nacional. Com a substituição de tributos sobre o consumo por um modelo de IVA dual, neutro e não cumulativo, a mudança exigirá atenção imediata não apenas das áreas fiscal e contábil das empresas, mas também de suas estruturas contratuais.

  1. Impacto estrutural nos contratos vigentes e futuros

O novo regime de tributação sobre o consumo, com a adoção de uma base ampla de incidência e a extinção de regimes especiais e benefícios fiscais personalizados, impõe uma necessidade urgente de revisão de cláusulas contratuais em praticamente todos os setores econômicos. Contratos civis, administrativos, financeiros, de fornecimento, construção, distribuição, prestação de serviços, locação de bens e outras avenças precisarão ser adaptados para refletir:
• A nova sistemática de cálculo e destaque do imposto;
• A responsabilidade pelo recolhimento do tributo;
• O impacto do novo modelo nos preços líquidos contratados;
• A alocação de riscos em face de variações de carga tributária durante o período de transição.

  1. Cláusulas que exigem atenção especial

Algumas cláusulas merecem atenção redobrada, sobretudo nas negociações de novos contratos ou na revisão de instrumentos vigentes de longo prazo. Entre elas, destacam-se:
• Cláusulas de preço: a reforma exige que os contratos deixem claro se os valores pactuados são brutos ou líquidos de tributos. Com a transparência da nova sistemática, é recomendável adotar o conceito de preço líquido, com destaque explícito do IBS/CBS em nota fiscal.
• Cláusulas de reajuste e repactuação: os contratos devem prever mecanismos de recomposição de equilíbrio econômico-financeiro em caso de alteração de carga tributária (especialmente durante o período de transição até 2033).
• Cláusulas de responsabilidade tributária: será necessário rediscutir quem assume os riscos e obrigações do recolhimento do tributo. Em contratos de fornecimento e prestação de serviços, por exemplo, o novo sistema de apuração poderá afetar a forma de retenção e repasse.
• Cláusulas de força maior e hardship: como os efeitos da reforma podem gerar impactos imprevisíveis no custo dos contratos de longo prazo, recomenda-se avaliar a inclusão ou readequação de cláusulas de hardship que permitam renegociações com base em alteração relevante na tributação.
• Cláusulas de compliance fiscal: será importante reforçar disposições sobre conformidade tributária e atualização constante de obrigações perante as novas regras, evitando riscos de inadimplemento contratual por motivos fiscais.

  1. Contratos administrativos e o reequilíbrio econômico-financeiro

Nos contratos públicos, a mudança do regime de tributação enseja atenção especial à cláusula de equilíbrio econômico-financeiro, prevista na Lei nº 8.666/93 e reafirmada pela nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/21). A alteração na carga tributária incidente sobre o contratado pode configurar fato do príncipe ou alteração de ordem econômica, legitimando o pedido de reequilíbrio contratual, especialmente se houver majoração efetiva de custos não previstos no momento da contratação.

Além disso, o novo regime de tributação pode impactar a composição de preços de licitação, exigindo que órgãos públicos e fornecedores se adequem rapidamente à nova lógica de preços líquidos e tributação destacada.

  1. Ações estratégicas recomendadas às empresas

Diante deste cenário, recomenda-se que as empresas:
• Realizem auditoria contratual preventiva, mapeando todos os instrumentos que possam ser afetados pelo novo regime tributário;
• Reavaliem a precificação de contratos em curso e novos negócios, à luz do princípio da transparência e da neutralidade da nova tributação;
• Estabeleçam modelos-padrão de cláusulas tributárias atualizadas conforme o novo sistema;
• Invistam em treinamento e alinhamento entre áreas fiscal, jurídica e comercial, garantindo uma atuação coordenada na revisão e negociação contratual.

  1. Conclusão

A reforma tributária do consumo, embora traga avanços significativos em termos de simplificação, neutralidade e segurança jurídica, exigirá um esforço coordenado e estratégico das empresas para evitar riscos e capturar oportunidades. A revisão das cláusulas contratuais será um dos pilares centrais desse processo de adaptação. Contratos mal redigidos ou desatualizados podem gerar disputas, perdas econômicas ou até mesmo inadimplementos. Por isso, a atuação preventiva e a revisão criteriosa dos instrumentos contratuais tornam-se indispensáveis nesse novo ciclo tributário brasileiro.


Luiz Roberto Peroba é Sócio/Tax Partner no Pinheiro Neto. Assessora clientes nacionais e estrangeiros de diversas indústrias, tanto em consultoria/planejamento tributário como contencioso, em disputas administrativas e judiciais.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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