STF conclui julgamento sobre ICMS em transferências entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, após longa controvérsia

O Plenário do Supremo – Foto via STF

Por Monique Salgado

O Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou, no dia 22 de agosto de 2025, o julgamento do Tema 1.367 da repercussão geral, relativo à cobrança de ICMS em transferências interestaduais de mercadorias entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo contribuinte. Com a definição de que a modulação de efeitos estabelecida na ADC 49 não autoriza a cobrança retroativa do imposto sobre fatos geradores anteriores a 2024, a Corte resolve uma polêmica que perdurava por mais de três décadas, restaurando previsibilidade e consolidando a segurança jurídica no país.

Uma demora histórica: o impacto de décadas de incertezas

A controvérsia, que começou na década de 1990, gerou décadas de insegurança jurídica, especialmente nas operações logísticas e tributárias de grandes empresas. A exigência de ICMS em movimentações internas da empresa vinha resultando em litígios infindáveis, onerosos para empresas e governos, e inibindo a adoção de práticas logísticas mais eficazes. Vale destacar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), já em 1996, havia consolidado em sua Súmula 166 que “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte” (SÚMULA 166, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/08/1996, DJ 23/08/1996, p. 29382). Contudo, mesmo diante dessa interpretação consolidada, disputas sobre a matéria persistiram devido a entendimentos divergentes nos Estados e à ausência de uma abordagem unificada pelo STF até então. Apesar de o STF já ter declarado, em 2021, por meio do julgamento da ADC 49, a inconstitucionalidade dessa cobrança, a modulação dos efeitos deixou em aberto questões importantes, que apenas agora foram definitivamente esclarecidas.

Em 2021, a Corte determinou que a decisão de inconstitucionalidade surtiria efeitos a partir de 2024. No entanto, dúvidas persistiam acerca do alcance dessa modulação: seria possível cobrar o tributo retroativamente em operações anteriores a 2024 para contribuintes que não ajuizaram ações judiciais até o corte temporal de 29 de abril de 2021? A recente reafirmação do STF, concluída neste julgamento, afastou definitivamente essa possibilidade e trouxe um ponto final à insegurança.

Os ministros enfatizaram que “a modulação não legitima a cobrança de ICMS sobre fatos geradores ocorridos antes de 2024”, reiterando que o objetivo da medida era mitigar desequilíbrios fiscais, sem abrir espaço para autuações retroativas. Essa clareza normativa é particularmente relevante para preservar a confiança de empresas em um sistema tributário cada vez mais complexo e dinâmico.

Repercussões para empresas e Estados: um equilíbrio delicado

A decisão trouxe uma vitória significativa para empresas, eliminando riscos relacionados a autuações fiscais de períodos anteriores. Isso promove maior previsibilidade para o planejamento tributário e logístico, fatores cruciais em setores que dependem de movimentações interestaduais de grandes volumes de mercadorias e ativos.

Por outro lado, os Estados, que pleiteavam compensações retroativas sob o argumento de que a modulação não deveria “premiar inércia dos contribuintes”, enfrentam agora limites ainda mais claros na arrecadação. Embora o impacto fiscal seja notável, especialistas avaliavam que o desfecho era provável, dada a evolução do entendimento do STF sobre o tema. “A decisão reflete o esforço da Corte em equilibrar os interesses federativos, mas sem comprometer a estabilidade e a previsibilidade tributária”, destaca Monique Salgado, advogada tributarista e representante dos contribuintes no julgamento.

A Reforma Tributária e o novo regime de operações entre estabelecimentos

O julgamento ocorre em um momento estratégico no cenário tributário brasileiro, com o avanço da Reforma Tributária e a promulgação da Lei Complementar nº 214/2025. O artigo 6º da nova legislação complementa o entendimento ao estabelecer que não haverá incidência da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) sobre transferências entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte, desde que haja emissão do respectivo documento fiscal eletrônico:

“Art. 6º O IBS e a CBS não incidem sobre:
II – transferência de bens entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo contribuinte, observada a obrigatoriedade de emissão de documento fiscal eletrônico, nos termos do inciso II do § 2º do art. 60 desta Lei Complementar.”

Essa nova regulamentação introduz mudanças terminológicas e conceituais importantes. Substitui a tradicional referência a “mercadorias”, consagrada pela Lei Kandir, pelo termo mais abrangente “bens”, que inclui não apenas objetos de comercialização, mas também bens de uso, consumo e ativo imobilizado. O artigo 3º da LC 214 esclarece:

“Art. 3º Para fins desta Lei Complementar, consideram-se:
I – operações com:
a) bens todas e quaisquer que envolvam bens móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, inclusive direitos.”

Outro ponto crucial do texto está no artigo 4º, § 1º, segundo o qual operações não onerosas, como as transferências entre estabelecimentos do mesmo titular, não estarão sujeitas à incidência de tributos, haja vista não envolverem lucro ou contraprestação econômica, mas apenas deslocamento físico de bens:

“§ 1º As operações não onerosas com bens ou com serviços serão tributadas nas hipóteses expressamente previstas nesta Lei Complementar.”

Dessa forma, ao preservar as operações internas não onerosas do campo de incidência da CBS e do IBS, a Lei Complementar reitera a exclusão dessas transferências do impacto tributário nas novas bases tributárias.

Perspectivas e desafios: o que esperar da regulamentação?

Enquanto empresas comemoram esse avanço no arcabouço jurídico e tributário, resta aguardar a regulamentação da Reforma Tributária para detalhar como será operacionalizada a emissão dos documentos fiscais eletrônicos nas transferências. Durante o período de transição para o novo sistema tributário, será essencial que o governo e as empresas se adaptem rapidamente para garantir conformidade, evitando novos litígios.

Assim, o julgamento do STF, aliado à nova legislação tributária, reafirma o compromisso do Estado brasileiro com a segurança jurídica e a sustentabilidade das operações empresariais. A definição, embora tardia, não apenas encerra uma longa controvérsia como também sinaliza um novo momento de maior equidade e previsibilidade no sistema tributário nacional.

A Agriconnection foi quem provocou a ação, representado por Monique Salgado.

Pela grande repercussão e relevância do tema, os escritórios Lunardelli, Machado Meyer, Neves Battendieri e Tozzini Freire uniram forças e competências para obter o resultado favorável.


Monique Salgado é Head of Legal na ROIT, Contadora e Advogada. Pós Graduada em Direito Tributário e Tributação no Agronegócio.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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