
Por Gabriel Benevides, de Brasília
A Câmara dos Deputados aprovou nesta 4ª feira (8.out.2025) um requerimento para retirar a medida provisória das aplicações financeiras (MP 1.303 de 2025) da pauta de deliberações do dia. Foram 251 votos favoráveis e 193 contrários à retirada.
Isso significa que não haverá votação para a medida. Na prática, os deputados rejeitaram a redação. Foi um movimento impulsionado pela oposição e pelo centrão.
Alguns dos aumentos de tributos propostos pelo time do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não valerão mais, porque o prazo de vigência do texto sem aval do Congresso já acaba hoje. As novas regras de compensação tributária e outras determinações também caducam.
A MP é polêmica e sofreu resistência dos parlamentares. O governo queria aumentar a tributação de títulos isentos e de bets com objetivo de fortalecer a arrecadação.
Inicialmente, esperava-se arrecadar R$ 20,9 bilhões em 2026 com todas as novas regras. Foi uma forma de compensar algumas amenizações no decreto que elevou o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
Entretanto, Ministério da Fazenda aceitou fazer recuos na MP (entenda mais abaixo na notícia). As mudanças diminuíram as estimativas de receita para cerca de R$ 17 bilhões.
A Câmara rejeitou as medidas mesmo com as concessões da equipe econômica. Foi uma derrota significativa para o governo Lula, que precisava do dinheiro para fechar o Orçamento deste e do próximo ano.
A MP seria analisada pelo Senado caso tivesse aprovação da Casa Baixa. Nesse cenário, a votação também seria incerta. Integrantes do centrão e da oposição trabalhavam para barrar as normas, como mostrou o Portal da Reforma Tributária.
Leia abaixo todas as medidas que a equipe econômica queria emplacar, mas não conseguiu por causa da resistência no Congresso.
Títulos isentos
- MP original – LCI, LCA, LH, CRI, CRA e debêntures incentivadas com Imposto de Renda de 5% a partir de 2026.
- MP amenizada – Alíquota zero para os investimentos.
- Perda de arrecadação em 2026 – R$ 2,6 bilhões.
As propostas vão caducar.
Bets
- MP original – Contribuição de 18% sobre a receita bruta de jogos.
- MP amenizada – Permanece como é hoje, com alíquota de 12%.
- Perda de arrecadação em 2026 – R$ 1,7 bilhão.
As propostas vão caducar.
Nova compensação tributária
Seriam o consideradas declarações indevidas para compensação tributária aquelas:
- Com documento de arrecadação inexistente (como se tivesse pago imposto quando não pagou).
- Com crédito de PIS/Cofins sem relação com a atividade da companhia.
A ideia era inserir novas barreiras para a obtenção dos créditos. Lula perdeu R$ 10 bilhões ao ano.
Cripto & imposto unificado
A MP determinou a unificação do percentual em 18% IRPF (Imposto de Renda de Pessoas Físicas) em aplicações financeiras Algumas das categorias que teriam a alíquota unificada eram:
- Ganhos líquidos em operações de Bolsa e de Balcão organizados a partir de R$ 60.000.
- Remuneração de empréstimos de títulos e valores mobiliários.
- Rendimentos e ganhos líquidos de ativos virtuais.
O texto inicial determinava uma alíquota de 17,5%. Alterou-se para 18% na 3ª feira (7.out), às vésperas do prazo para caducar.
Continuará a regra atual: as alíquotas variam de 15% a 22,5%, a depender da aplicação.
Fintechs
O setor financeiro teria mudanças na alíquota de CSLL (Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido). Seria de 15% para:
- Pessoas jurídicas de seguros privados.
- Instituições de pagamento.
- Bolsas de valores e de mercadorias e futuros.
- Entidades de liquidação e compensação.
A alíquota de 20% de CSLL atingiria:
- Pessoas jurídicas de capitalização.
- Sociedades de crédito, financiamento e investimentos.
A norma excluiria a categoria de serviços financeiros atualmente tributados com 9% de CSLL. A Câmara rejeitou e Lula perdeu R$ 1,58 bilhão em 2026.
JCP
- MP original – Aumentava de 15% para 20% a incidência de Imposto de Renda nos Juros sobre Capital Próprio.
- MP amenizada – Percentual proposto passou para 18%.
- Perda de arrecadação – R$ 5 bilhões em 2026.
As propostas foram rejeitadas pela Câmara.
Articulação política
O diálogo foi forte às vésperas da análise na comissão temática. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se reuniu com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), na noite de 2ª feira (6.out) para alinhar o tema entre os deputados.
Na tarde de 3ª feira (7.out), foi a vez de o chefe da equipe econômica conversar com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
“Houve concessões mútuas da Câmara, do Senado e do próprio governo para chegar a um texto que pudesse ser apreciado, com grandes chances de ser votado hoje, na comissão e no plenário da Câmara“, declarou Haddad em entrevista a jornalistas na Casa Alta ontem.
Nenhum dos movimentos adiantou. Integrantes da base do governo no Congresso disseram que o centrão traiu o acordo feito para aprovar a medida.
Os próximos passos do governo
Deputados governistas sinalizaram que a equipe econômica pode elevar a carga tributária do setor produtivo para compensar as perdas de arrecadação. Isso seria feito por meio de decretos, que não precisam de aprovação do Legislativo.
A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que permitiu a elevação do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) seria utilizada para referendar a estratégia.
“Há definições de alíquotas de imposto que não precisam de lei, como IPI, IOF e outros. Têm portarias, tem uma série de coisas que podem ser adotadas”, declarou Carlos Zarattini (PT-SP), relator da MP das aplicações, em entrevista a jornalistas antes da reprovação da matéria.
Integrantes da equipe econômica avaliam haver essa possibilidade, apesar de ainda não haver um plano definido. O time do Ministério da Fazenda não trabalhava com um cenário alternativo à rejeição da medida a curto prazo. Agora, iniciou-se o prazo para elaborar soluções.
O líder do Governo no Senado, Randolfe Rodrigues (PT-AP), também sinalizou que serão feitos contingenciamentos em emendas parlamentares na ordem de R$ 7 bilhões a R$ 10 bilhões para compensar as perdas de arrecadação em 2025.
A fala do senador petista veio antes da votação no plenário da Câmara e foi uma forma de pressionar os congressistas. Outra sinalização de parlamentares governistas é apostar no discurso de “deputados inimigos do povo” . É algo similar à estratégia de comunicação populista que culminou na aprovação da reforma da renda.
Nos bastidores, líderes da base aliada rambém em enviar medidas provisórias ou projetos de lei com algumas determinações específicas da MP 1.303. Seriam propostas menos polêmicas e que focariam em temas com mais consenso da população, como a questão das bets.